terça-feira, 4 de julho de 2006

SAÚDE E EDUCAÇÃO POPULAR: A ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO A PARTIR DAS EXPERIÊNCIAS E DO “MUNDO DA VIDA”

Lindemberg Medeiros de Araújo[1]

O presente ensaio versa sobre a construção do currículo relativo à saúde no Projeto Escola Zé Peão – uma estratégia de educação de adultos mantida pelo sindicato de trabalhadores da Construção civil e a UFPB. Para cumprir o seu objetivo analisa como alguns elementos da pedagogia freireana entram na discussão da saúde e são introduzidos no currículo específico do projeto, com a finalidade de reorganizar o conhecimento dos seus educadores e educandos. Na discussão, a saúde é entendida como síntese de múltiplas determinações e é trabalhada como uma das questões nodais na construção da cidadania de educadores e educandos.

Palavras Chave: saúde; educação de adultos; cidadania

Introdução

“A prática da liberdade só encontrará adequada expressão numa pedagogia em que o oprimido tenha condições de, reflexivamente, descobrir-se e conquistar-se como sujeito de sua própria destinação histórica” (Fiori, Apud. Freire, 1988: 09)

Há aproximadamente dois anos, participando da programação de um evento[2], pude apreciar uma mesa redonda intitulada Currículo: Leituras em Paulo Freire[3]. Lá se ressaltou a visão de currículo contida na obra freireana, entendido o currículo como um processo que, integrando práticas e reflexões gnosiológicas fundamentam as relações educador/educando; relações estas caracterizadas pela construção do conhecimento inerente ao processo de ensino-aprendizagem e aos processos educativos em geral[4]. As reflexões expostas naquela mesa estimularam o meu exercício gnosiológico no sentido de transportar-me para o meu universo teórico-prático e fazer reverberar a minha experiência de trabalho no Projeto Escola Zé Peão[5], onde presto assessoria na área da saúde mobilizando o currículo que fundamenta a construção de conhecimento dos educadores e educandos com respeito ao tema.

Ao explicitarem as suas leituras sobre como o currículo é uma presença forte e se estende sobre toda a obra freireana, os apresentadores aguçaram e expandiram o meu horizonte para um exercício da interação possível entre a obra de Freire e a práxis da Escola Zé Peão. Foi do desafio desse exercício que nasceram as idéias que mobilizo neste ensaio.

O ensaio versará, assim, sobre como alguns elementos e categorias freireanas estão presentes na discussão do Projeto e são recuperadas na percepção e operacionalização dos temas geradores, que compõem o currículo relativo à saúde com a finalidade de reorganizar o conhecimento de educadores e educandos do projeto; aprofundar a discussão sobre o processo saúde/doença e a sua conexão com a construção da cidadania; finalidade objetiva e explícita no discurso sindical que criou e mantém a Escola[6]. A questão do currículo será, portanto, o tema transversal de todo o ensaio.

A intencionalidade da criação do Projeto Escola Zé Peão e a indução de uma concepção curricular que em si recupera o pensamento freireano



Para melhor esclarecer os leitores, faço aqui uma breve contextualização dos elementos que estiveram presentes na fundação da experiência, já exitosa, do Projeto Escola Zé Peão. Parto dos motivos iniciais explicitados pelo sindicato da categoria, quando em parceria com a Universidade idealizou o Projeto. A leitura de alguns escritos e mesmo a longa convivência com os que formam o grupo político Zé Peão[7] demonstra que o sindicato partiu do entendimento de que “a condição de analfabeto sempre dificulta o trabalho sindical de organização para uma participação mais efetiva nas tomadas de decisão da categoria” (PROJETO ZÉ PEÃO, 1995: 02). Por isso quis o SINTRICOM[8], com a sua iniciativa, contribuir para construção da cidadania desses trabalhadores que, marginalizados, em muitas situações passam a acreditar não existir solução para os problemas sociais, os seus problemas.

Por outro lado, considerando-se a visão da Universidade, a Escola Zé Peão é uma atividade de extensão da Pró-reitoria de Assuntos Comunitários, executada pelo Centro de Educação[9], que permite a instituição sair dos seus muros e contribuir com a formação específica dos seus alunos na perspectiva de atuarem na capacitação social dos trabalhadores da Construção civil, objetivo que é buscado através de estratégias de escolarização e ensino-aprendizagem.

No Projeto a formação desses educadores

“é entendida como um processo contínuo, que abrange não só o período de formação inicial - antes do ingresso em sala de aula – mas também o trabalho de acompanhamento pedagógico de que participa o professor durante toda a sua permanência no Projeto. Essa formação toma como ponto de partida os sujeitos do processo educativo, os operários da indústria da construção - e o contexto em que estão inseridos como trabalhadores, cidadãos, e seres humanos - e visa a instrumentalizar o futuro professor, ou seja, prepará-lo para alfabetizar trabalhadores da construção civil, a partir do entendimento da alfabetização como um processo que possibilita a ampliação e o aprofundamento de sua compreensão da realidade social, por meio da aquisição da linguagem, da matemática e dos conhecimentos gerais, tendo em vista instrumentalizar esses trabalhadores para lhes possibilitar a reivindicação de seus direitos de trabalhadores e cidadãos e sua qualificação profissional”. (PROJETO ZÉ PEÃO, 1998: 58).

É dessa forma que o Projeto...

“tem contribuído de forma valiosa para a formação de professores de alfabetização de adultos, numa perspectiva popular, trabalhando a formação do operário como uma mediação para a formação do educador. Dessa forma, [a UFPB] assume também um compromisso de extrema relevância para a democratização/aquisição do saber escolar pela classe trabalhadora, através da apropriação dos instrumentais de fundamental importância para a sua luta na conquista de sua cidadania”. (PROJETO ZÉ PEÃO, 1998: 06).

Como resultado da sua iniciativa, o sindicato vem pondo em prática a Escola Zé Peão, que visa na sua ação a alfabetização e a pós-alfabetização dos operários da sua categoria, oferecendo-lhes os recursos da linguagem, da matemática e dos estudos sociais e da natureza. Objetiva, com essa ação, oferecer ferramentas que sejam capazes de expandir a capacidade intelectual, crítica e criativa dos trabalhadores da construção civil, para que estes se transformem em pessoas cada vez mais capazes de ler o mundo, suas circunstâncias e significados.

Assim, o Projeto pretende:

“integrar os operários da construção civil à sociedade para que os mesmos se sintam capazes de entender que é fundamental a participação deles para a implementação de um processo de mudança. [E nesta perspectiva,] pressupõe que a atividade educativa seja considerada em seus múltiplos desafios, como, por exemplo, os de natureza político-social (homens concretos lutando por uma vida melhor), histórica (homens situados em um tempo e um espaço) e pedagógica (homens conscientes utilizando metodologias e recursos adequados para a construção do seu saber)“ (PROJETO ZÉ PEÃO, 1998: 13).

Como se pode ver, o posicionamento das duas instituições (sindicato e Universidade), ao proporem o projeto, sugere, desde o início, a idéia de engajamento, de compromisso, de participação, de rejeição a qualquer atitude de alienação ou neutralidade diante das tarefas históricas enfrentadas pelos trabalhadores. Posição que pode ser relacionada diretamente ao pensamento de Paulo Freire quando este afirma que

“Impedidos de atuar, os homens encontram-se profundamente feridos em si mesmos, como seres do compromisso. Compromisso com o mundo, que deve ser humanizado para a humanização dos homens, responsabilidade com estes, com a história. [Mas] Este compromisso com a humanização do homem, que implica uma responsabilidade histórica, não pode realizar-se através do palavrório, nem de nenhuma outra forma de fuga do mundo, da realidade concreta, onde se encontram os homens concretos. O compromisso, próprio da existência humana só existe no engajamento com a realidade, de cujas ‘águas’ os homens verdadeiramente comprometidos ficam ‘molhados’, ensopados. Somente assim o compromisso é verdadeiro. Ao experenciá-lo, num ato que necessariamente é corajoso, decidido e consciente, os homens já não se dizem neutros. A neutralidade frente ao mundo, frente ao histórico, frente aos valores, reflete apenas o medo que se tem de revelar o compromisso. (...) O verdadeiro compromisso é a solidariedade, e não a solidariedade com os que negam o compromisso solidário, mas com aqueles que, na situação concreta, se encontram convertidos em’coisas’”. (FREIRE, 1983: 18-19).

Analisando mais profundamente a intencionalidade explícita dos idealizadores, o projeto em si já funciona como um indutor, como uma diretriz de base para definição de uma concepção curricular; neste caso, perfeitamente sintonizado com a visão freireana de ler a palavra a partir da leitura do mundo, da cultura, da linguagem do educando, do conhecimento popular na sua relação com o saber elaborado pela escola, pela academia. Como muito bem coloca SCOCUGLIA:

“Encontra-se aí implícita a idéia de que os conteúdos programáticos, as metodologias utilizadas e os fundamentos epistemológicos que alicerçam a construção curricular, entre outros, devem estar contextualizados e influenciados pela cultura e pelas experiências de vida dos atores educacionais que estão envolvidos nessa construção...” (SCOCUGLIA, 2003: 01)

Esse mesmo raciocínio também está presente na obra de CAMBI (1999) que ao fazer uma recuperação da história da pedagogia, discute a contribuição de Paulo Freire no contexto das pedagogias radicais do século XX. Analisa que a mesma se desenvolve dentro de um processo em que o educando reconquista a sua própria linguagem, a sua capacidade de tomar a palavra e por ela analisar os significados de sua colocação histórica e social; e assim produzir a emancipação da sua consciência e da sua classe colocando-se em condições de participar da vida civil pela própria reapropriação de si mesmo e da sua consciência.

Poder-se-ia ainda, à guisa de encerramento desta secção, lembrar Paulo Freire, quando este problematiza os desafios e os saberes necessários à prática educativa como uma práxis fundada num diálogo que tem a finalidade de uma reflexão crítica:

“Testemunhar a abertura aos outros, a disponibilidade curiosa à vida, a seus desafios, são saberes necessários à prática educativa. Viver a abertura respeitosa aos outros e, de quando em vez, de acordo com o momento, tomar a própria prática de abertura no outro como objeto de reflexão crítica deveria fazer parte da aventura docente”.(FREIRE, 1996: 153)

A inserção da saúde na organização do currículo da Escala Zé Peão

O debate e a produção de conhecimento sobre a saúde tem evoluído muito nas últimas décadas, especialmente com a sua abertura para outras disciplinas que não apenas as do biológico. Isso tem se refletido, inclusive, no planejamento, execução e avaliação de ações – entre elas as educativas – e serviços que são colocados à disposição da comunidade. Mas, mesmo assim, algumas barreiras ainda persistem e precisam ser quebradas no que tange à organização e democratização do conhecimento produzido e da participação popular no processo. E neste aspecto, um dos primeiros problemas a ser vencido é o do enfoque excessivamente técnico que é dispensado à problemática da saúde e o seu isolamento e limitação aos técnicos e estruturas que atuam na sua assistência e vigilância.

Um dos efeitos do que acabo de afirmar pode ser constatado no fato de que sempre que a saúde é discutida ou avaliada, a discussão ou avaliação se dá partindo-se do exame do seu contrário, da sua negação: a doença. Relaciona-se saúde com bem estar, com vida, com condições econômicas, sociais e ambientais favoráveis, mas, quando se afere o grau de desenvolvimento de uma população, de uma região ou mesmo de um país, toma-se as estatísticas de morbidade e mortalidade, ou seja, a quantidade de doentes e de mortos produzida nas diversas faixas etárias e a quantidade de serviços e de recursos (humanos e materiais) disponíveis, como parâmetro de explicação ou avaliação.

Isso é relativamente fácil de ser compreendido se reconhecermos que o foco da discussão continua centrado preponderantemente na doença e no viés da assistência que sempre irá gerar como produto o restabelecimento ou a morte dos indivíduos. Ou seja, na teoria considera-se que os aspectos econômicos, sócio-culturais e ambientais são determinantes do adoecer e do morrer, ainda que essa visão não seja levada à pratica, o que se daria com a conseqüente incorporação dos destinatários das ações e serviços – vale dizer, dos usuários, da população – à discussão, formulação, execução e avaliação de um conjunto de políticas que podem ter o concurso dos diversos atores sociais como co-participes.

E se assim se procede, talvez se possa inferir que ainda não se enxerga, suficientemente, a dialética relação que está na base dos fenômenos saúde e doença quando estes se expressam no processo social em que estamos inseridos. Em outras palavras: se a doença é produzida socialmente, a saúde também o será desde que sejam criadas as condições para isso. E aí, sem dúvida, a participação popular, a democratização da sociedade e o investimento na informação e na educação em saúde são questões fundamentais.

Nesse sentido, tendo no conhecimento um elemento de proa para a construção de cidadania e assumindo uma visão totalizadora que procura entender a saúde enquanto um processo socialmente construído, é possível assumir o objetivo de organizar o conhecimento dos educadores e educandos a partir das suas próprias experiências de vida e assim resgatar a metodologia e a experiência educativa do Projeto Escola Zé Peão.

A integração do conhecimento específico da saúde nas atividades pedagógicas da “Escola” se dá num diálogo sistemático que envolve todos os participantes da experiência, notadamente os educadores e educandos. Diálogo construído nas salas de aula montadas nos próprios canteiros de obra, nas reuniões, nas visitas pedagógicas e nas oficinas temáticas, um componente fundamental na articulação entre metodologia[10] e conteúdos necessários à formação dos educadores e educandos.

Cidadania e saúde: saúde é cidadania

A construção da cidadania tem sido um dos pontos essenciais da discussão da saúde, especialmente nos últimos trinta anos quando esta passou a ser entendida no seu sentido ampliado: saúde como síntese de múltiplas determinações econômicas, políticas, sociais; saúde e doença como resultantes de um intricado jogo definido pelas condições objetivas de vida de um indivíduo ou população. A ampliação desse conceito alarga e multiplica os espaços de discussão e cria novas possibilidades de evolução do conhecimento, que podem levar ao compromisso e à responsabilidade histórica de humanização do próprio homem, humanização que Freire afirma não poder ser feita de outra forma que não pelo caminho de uma práxis que coloque a realidade concreta frente a homens concretos. (FREIRE, 1983: op.cit).

Neste sentido, uma das discussões que se insere no currículo da saúde e que é levada para as salas de aula, é aquela em que partindo do “mundo da vida[11]” dos educadores e educandos se contrapõe à definição racional-legal da nossa constituição[12]: Saúde: direito de todos e dever do Estado. Ora, aonde isso nos leva senão a decomposição de uma equação que contém dois eixos fundamentais: direito de todos e dever do Estado?

A idéia de efetuar tal decomposição é útil tanto do ponto de vista teórico-prático como metodológico, na medida em que se pode superar uma dificuldade inicial: a de desmistificar a discussão sobre saúde e doença como uma temática apenas dos técnicos e autoridades da saúde, trazendo-a para dentro da escola. Na verdade, os dois eixos trazem dois elementos que estão na base da construção da cidadania no Estado Moderno: a questão da garantia dos direitos e deveres individuais e coletivos e a participação/representação de interesses[13].

A discussão em torno da saúde, assim, transforma-se num debate que coloca cada educador e cada educando diante de si próprio e do seu semelhante e ambos diante da realidade, para tentar perceber a dupla dimensão individual e coletiva da sua qualidade de vida; e a responsabilidade do controle social de políticas que, se bem sucedidas, darão substância à luta pela cidadania e a reinvenção da sociedade que, dita moderna, só consegue ser capitalista e profundamente desigual.

Essa primeira aproximação traz uma necessidade adicional de decompor cada um dos dois eixos numa nova seqüência: de um lado, saúde como direito à vida e como conquista social e do outro, a problematização dos princípios doutrinários e organizativos que regem o nosso sistema de saúde, no caso o Sistema Único de Saúde (SUS) e a operacionalização do conceito de território[14] que nele se encontra embutida enquanto motor da municipalização e da democratização da saúde.

No primeiro tema, a saúde passa a ser entendida como um direito de cidadania, como uma construção social da população nos seus diversos segmentos e organizações sendo, portanto, matéria de domínio também popular e não apenas de técnicos e profissionais de saúde; saúde expressa como direito à vida no seu sentido pleno, determinada por um conjunto de condições e outros direitos que também precisam ser assegurados. É o que se pode depreender, por exemplo, do que está escrito no texto constitucional[15] e na Lei que o regulamenta[16], aliás, textos que foram frutos de intensas lutas e negociações que envolveram os movimentos sociais em geral e o movimento popular de saúde em particular num passado recente. Assim, chega-se a um ponto que nos permite horizontalizar em definitivo a discussão, qual seja, a saúde entendida no seu conceito ampliado e em relação direta com as condições objetivas de vida da população.

Seguindo com este raciocínio, chega-se diretamente noutro ponto, onde a saúde é entendida também como conquista social. Esse entendimento decorre diretamente da discussão anterior que coloca a contradição entre teoria e prática, ou seja, entre a construção ideal da nossa constituição e a realidade da vida cotidiana. Nessa linha, retorna-se à idéia de construção coletiva do direito à saúde colocada no início deste ensaio e à noção da necessidade de promoção da saúde, explícita na definição constitucional.

E aqui, a promoção da saúde deve ser entendida como um processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle do processo saúde doença; e como busca de aspirações que, identificadas, satisfazem necessidades e modificam favoravelmente o meio ambiente físico e social, para que se atinja um estado, o mais completo, de bem estar bio-psico-social. (BRASIL, 1996).

Esses dois aspectos abrem uma segunda linha de aprofundamento da reflexão que, mais completa e explícita, ajuda a problematizar a segunda dimensão da saúde como conquista social: a promoção da saúde e a construção coletiva do direito à saúde.

Trata-se então de uma recuperação dessa discussão dentro do processo educativo, preservando e utilizando os princípios metodológicos do Projeto e da educação popular[17], ou seja, partindo da valorização do saber e da experiência de cada um já adquirida ao longo da vida; do contexto em que estão inseridos e como as questões de saúde nele se colocam; da significação que o tema assume na sua vida e trabalho e da especificidade dessa discussão tanto em termos práticos na escola como no cotidiano dos atores envolvidos.

Vencidas essas primeiras duas etapas da problematização, é necessário que se faça um exercício semelhante para ressaltar a saúde como dever do Estado; dever que normalmente se expressa através das políticas sociais de cunho setorial, mas que precisam estar integradas no plano geral da regulação da vida da sociedade. E aqui, aquela linha de raciocínio de desmistificar esse tipo de discussão como coisa concernente apenas aos técnicos e fazedores de políticas específicas das diversas áreas e de resumir a discussão da saúde ao plano da assistência, torna-se imperiosa na discussão do dever do Estado na promoção do direito à saúde.

Assim, a primeira questão a ser colocada é a de que ao se falar de Estado fala-se de alguma forma de nós mesmos, na medida em que ele nos engloba, nos envolve, como bem coloca GRAMSCI[18] quando fala da relação entre Estado, hegemonia e sociedade civil. Portanto, pelo menos em tese, somos todos fazedores de políticas, desde que nos coloquemos como tal, que participemos do processo. Para isto, a educação, o conhecimento e a informação são ferramentas que, por excelência, podem balizar a participação e a educação popular.

Para introduzirmo-nos definitivamente nesta área é necessário que busquemos compreender como se expressam as políticas de saúde que tentam responder ao imperativo constitucional. Neste caso, nos deparamos com a formulação do Sistema Único de Saúde – SUS, construção política que nos é muito cara porque síntese de vários movimentos sociais, entre os quais o movimento popular de saúde que atuou e atua de forma profícua nesta área. Assim, para conhecermos o SUS e a sua estrutura torna-se necessário que sejam detalhados os seus princípios doutrinários e organizativos[19] e entendidos os sentidos da participação popular na sua construção.

A definição desta equação nos coloca diante da tarefa de resgatar do texto constitucional esses conjuntos de princípios que, trabalhados na prática, ganham concretude nas lutas em busca da saúde enquanto direito de cidadania. Ou seja, discutindo o dever do Estado, nos encontramos novamente discutindo a saúde como direito de cidadania. E neste caso, universalidade, integralidade, eqüidade na atenção e controle social, além de apresentados como conceito, ganham sentido prático na luta dos educadores e educandos que podem entender como e porque esse direito lhes é negado e como podem se organizar para cobrá-lo das representações políticas do Estado que tem na sua função essa tarefa. Da mesma forma, conhecendo os princípios da descentralização, regionalização, municipalização e hierarquização das ações e serviços, podem organizar as suas lutas por uma saúde cidadã.

A evolução dessa discussão nos leva, inevitavelmente, ao lócus aonde o processo saúde/doença e as questões que dele decorrem acontecem: ao bairro, à rua, ao domicílio, ao campo, a um território. Enfim, ao município. Daí que é importante recuperarmos a discussão sobre o processo de municipalização da saúde, uma das diretrizes do SUS. Mas, é igualmente importante ter presente que é a comunidade, a família, o indivíduo que, sofrendo a privação do seu direito, adoece. E que saúde e doença, nada mais são do que expressões das condições econômicas, sociais, culturais e ambientais da nossa existência. Portanto, cabe esquadrinhar o território em todas as suas dimensões e perceber ali como se expressam esses fenômenos e como eles podem e devem ser enfrentados, em parte pela própria comunidade, em parte (a maior parte sem dúvida) pelos poderes públicos que representam o Estado e necessariamente a própria população, enquanto sociedade civil.

A experiência Zé Peão frente à tradição da educação de adultos no Brasil

“O operário precisa inventar, a partir do próprio trabalho, a sua cidadania que não se constrói apenas com sua eficácia técnica, mas também com sua luta política em favor da recriação da sociedade injusta” (FREIRE, 1996: 114)

A história da educação no Brasil demonstra que, especialmente em relação à educação de adultos, a preocupação central da “instrução” sempre foi a de alimentar o mercado de trabalho e a burocracia estatal com trabalhadores tecnicamente “competentes” para as habilidades que lhes são exigidas; que alfabetizar o adulto brasileiro sempre foi sinônimo de “eliminar a vergonha nacional”, produzir eleitores; ensinar homens e mulheres a ler e escrever, para que o Brasil possa “olhar de igual para igual para as outras nações”; vencer o atraso, desenvolver país. Pensar a formação de pessoas com capacidade crítica e intelectual para recriar a sociedade em seu conjunto e ao seu gosto sempre foi uma tarefa reservada às elites, que por seu turno sempre rejeitou a idéia de homens e mulheres estimulados a serem livres para refletir e construir, coletivamente, o conhecimento necessário a uma vida digna e cidadã. Enfim, a promoção do conhecimento escolar, oferecido aos jovens e adultos, sempre foi técnico e desvinculado das necessidades de aprendizagem da população excluída da escola formal.

Neste sentido, a leitura de PAIVA (1983), quando analisa as campanhas de alfabetização do estado militar ratifica bem essa afirmação. A Cruzada ABC, um exemplo típico, encaixou-se inteiramente nos propósitos da ditadura militar para a educação brasileira pois tinha, claramente, uma proposta de combate aos projetos transformadores de antes de 64. A sua concepção de cultura era autoritária e conservadora, além do que desenvolvia uma visão preconceituosa de que o analfabetismo é que impedia o progresso e o desenvolvimento da nação e que era necessário, portanto, “educar para integrar e desenvolver”. Mas, desde o inicio tornou-se indisfarçável o objetivo da Ditadura em formar cidadãos e eleitores integrados à nova ordem ideológica e política que chamavam sutilmente de “realidade nacional”.

O Mobral, por outro lado, defendia que a escolaridade elementar de adolescentes e adultos “deveria estar ligada a prioridades econômicas e sociais, às necessidades presentes e futuras de mão-de-obra e ressalvava a importância da colaboração de todos(...) (PAIVA: op.cit. 292). Previa o recrutamento de pessoas para formar classes de alfabetização que deveriam valorizar o homem através da aquisição da leitura, da escrita, do cálculo matemático e do aperfeiçoamento dos processos de vida e trabalho “e a integração social desse homem, através do seu reajustamento à família, à comunidade local e à Pátria” (PAIVA: op.cit. 293).

Como se pode ver, o componente ideológico do regime militar estava presente através da exacerbação do nacionalismo. O MOBRAL assumia que suas atividades eram “conscientizadoras”, exatamente no sentido contrário do antes de 64, que era considerado um equívoco por levar a uma politização prematura e mal orientada, numa alusão direta ao método Paulo Freire, inteiramente rechaçado. Quanto à orientação do material didático, este associava “o incentivo ao esforço individual para vencer na vida ao estímulo à adaptação a padrões de vida modernos” (PAIVA: op.cit. 296).

A autora esclarece que não raro os sistemas educativos são hegemonizados mais pela política (leia-se aqui especialmente pelas ideologias) do que por qualquer outro aspecto da vida social e, portanto, acabam por servir mais a conservação do que a mudança. Por isso os sistemas educativos, por si só, não transformam a sociedade ou possuem um poder muito limitado para faze-lo; a não ser em determinadas circunstâncias, como por exemplo, em sociedades em que a educação elementar ainda não se generalizou. Nessas condições as possibilidades dela engendrar transformações aumenta, desde que os sistemas educativos estejam ligados às lutas políticas que numa situação de contra ideologia, coloquem alguns setores e segmentos sociais em situação de disputa pelo poder como possibilidade de transformação do “status quo”.

Esse é, ao meu ver, o principal diferencial da Escola Zé Peão que, como já afirmei no início deste ensaio, tem a sua metodologia, a sua práxis, voltada para o diálogo como inquietação e curiosidade pelas coisas que fazem o cotidiano do mundo da vida; para a partilha do conhecimento entre homens e mulheres que descobrindo as letras se descobrem no mundo e horizontalizam relações, experimentam a sua própria transformação e, sentindo-se transformados, tecem a esperança na sua própria libertação; presos na alegoria de que constroem prédios e mudam a paisagem, constroem as cidades. E se constroem cidades, desenvolvem a consciência e a confiança de que sujeitos concretos podem dar concretude a um outro mundo a uma outra possibilidade de relação entre os homens. Afinal como um deles já disse certa vez em sala de aula: “o homem que constrói um prédio, pode construir qualquer outra coisa”.

E a guisa de encerramento deste ensaio, lembro mais uma vez Paulo Freire:

“Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma relação horizontal, em que a confiança de um pólo no outro é conseqüência óbvia. Seria uma contradição se, amoroso, humilde e cheio de fé, o diálogo não provocasse este clima de confiança entre os sujeitos. Por isto inexiste esta confiança na antidialogicidade da concepção ´bancária` de educação. (...)“Se o diálogo é o encontro dos homens para ser mais, não pode fazer-se na desesperança. Se os sujeitos do diálogo nada esperam do seu quefazer, já não pode haver diálogo. O seu encontro é vazio e estéril. É burocrático e fastidioso. (...) não há diálogo verdadeiro se não há nos sujeitos um pensar verdadeiro. Pensar crítico. Pensar que, não aceitando a dicotomia mundo-homens, reconhece entre eles uma inquebrantável solidariedade”. (FREIRE, 1987: 81-82).

ABSTRACT

The construction of the health relative curriculum in the Projeto Escola Zé Peão is in the center of the present essay. In order to accomplish the objective of this essay, an analysis is made on how some elements of the Freire’s pedagogy could be associated to the health discussion and how they are included in the specific curriculum of the project, aiming to reorganize the knowledge of its teachers and students. Among the discussion, health is understood as the synthesis of multiple determinations and is pointed as one of the crucial factors on the citizenship construction.

Key words: health; adults education; citizenship.

REFERÊNCIAS

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SCOCUGLIA, A.C. – Paulo Freire: conhecimento, aprendizagem e currículo. mimeo. 15 págs. Texto apresentado no I Colóquio Internacional de Políticas Curriculares. João Pessoa, Nov./2003;


[1]Médico Sanitarista (RMPS/CCS/UFPB, Mestre em Ciências Sociais (CCHLA/UFPB) e Doutorando em Educação Popular (PPGE/CE/UFPB). E-mail: lindembergara@globo.com;
[2]Refiro-me ao I Colóquio Internacional de Políticas Curriculares, evento promovido pelo Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba através Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Curriculares – GEPPC/CE/UFPB e realizado no período de 12 a 14 de Novembro de 2003. Nesse evento se proporcionou aos pesquisadores e educadores interessados, um espaço de diálogo, reflexão e análise da educação brasileira, do currículo escolar e das diversas práticas sócio-culturais.
[3]A mesa redonda a que me refiro foi composta pelos pesquisadores Afonso Celso Scocuglia, Maria Eliete Santiago e Alder Júlio Ferreira Calado.
[4]Conferir em: SCOCUGLIA, A.C. – Paulo Freire: conhecimento, aprendizagem e currículo, texto preparado especialmente para comunicação no I Colóquio Internacional de Políticas Curriculares.
[5]A Escola Zé Peão é um projeto desenvolvido pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil e do Mobiliário de João Pessoa – SINTRICOM – em parceria com a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), através do Centro de Educação, Campus I.
[6]Ressalto aqui a oportunidade que tive, há pouco mais de dez anos atrás, de elaborar ao lado dos integrantes do grupo Zé Peão a minha dissertação de mestrado intitulada Trabalho e Saúde-Doença nas Industrias da Construção Civil – Edificações – de João Pessoa. Lá, além de acompanhar e testemunhar o trabalho da diretoria sindical da época, pude organizar com ela várias iniciativas e intervenções que discutiam a conquista da saúde como realização mesma da cidadania.
[7] Esse grupo foi constituído em 1981 como uma oposição sindical que representava além dos anseios da categoria uma forte resistência ao atrelamento sindical aos patrões e ao Estado, além da luta por sindicatos livres e combativos, num movimento que ficou conhecido como “novo sindicalismo”. Mesmo tendo sido derrotado na primeira disputa, em 1983, o Zé Peão logrou êxito numa disputa subseqüente em 1986 e desde então dirige o SINTRICOM.
[8] Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil e do Mobiliário de João Pessoa.
[9] Na verdade, o Centro de Educação nessa tarefa recebe a colaboração de professores de diversas áreas do conhecimento que compõem um grupo de assessores que interage de forma interdisciplinar com a coordenação pedagógica na formação mais específica dos educadores e educandos do Projeto. No caso, os educadores são em sua maioria alunos das diversas licenciaturas oferecidas pelo Centro de Educação, ainda que a experiência também esteja aberta para outros alunos, de outras áreas, que cursem as licenciaturas da UFPB.

[10]As ações educativas que caracterizam o projeto se pautam em três princípios metodológicos básicos: o da contextualização, o da significação operativa e o da especificidade escolar. Assim, procuro explorar a temática da saúde considerando estas dimensões e recuperando-as no pano de fundo das discussões que mobilizam o currículo do projeto: a construção da cidadania dos alunos/operários. Para maiores detalhes sobre a metodologia, ver: IRELAND, V.E.J.C. – Alfabetização de Adultos – Ainda a Questão do Método. mimeo. João Pessoa, s.d.
[11]A expressão “mundo da vida” é aqui utilizada no sentido oferecido por Habermas através da teoria da ação comunicativa, fundada na linguagem e que se expressa na busca do consenso entre os indivíduos por intermédio do diálogo, da razão comunicativa. Essa razão comunicativa, que se encontra na esfera cotidiana de educadores e educandos, é constituída pelos elementos da cultura, da personalidade e da inserção de cada um na sociedade (esfera pública) e na família (esfera privada).
[12] Na prática essa discussão sempre nasce de demandas dos próprios educandos, que trazem para a sala de aula as agruras e dificuldades que sofrem junto com suas famílias, no dia-a-dia, quando adoecem ou demandam ações ao Sistema Único de Saúde. As situações trazidas sempre dão conta da grande distância ainda existente entre o direito a uma vida saudável e a uma atenção à saúde, digna e a satisfação desse direito no âmbito dos seus municípios.
[13]A questão da representação de interesses pode ser entendida no contexto da noção de estado ampliado presente obra de GRAMSCI e repercutida por Carlos Nélson Coutinho, quando afirma que buscando uma base material para o consenso, a classe dominante, através do Estado, faz concessões a classe dominada permitindo que alguns dos seus interesses sejam representados no Estado e influam nas políticas públicas. (COUTINHO, 1989)
[14] Quando falamos de território, estamos aqui assumindo a definição de UNGLERT: “cenário estabelecido por atores sociais no desenrolar de um processo em que os problemas de saúde se confrontam com serviços prestados e onde necessidades cobram ações. Representa muito mais que uma superfície geográfica, tendo um perfil demográfico, epidemiológico, administrativo, tecnológico, político e social que o caracteriza e se expressa num território em permanente construção”. Mais detalhes, ver: UNGLERT, C.V.S. · TERRITORIALIZAÇÃO EM SISTEMAS DE SAÚDE. In: MENDES, E.V. (Org.) Distrito Sanitário – o processo social de mudança das práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde. HUCITEC-ABRASCO, 4ª Edição. São Paulo/Rio de Janeiro, 1999”;
[15] “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL C.F, 1988, art. 196).
[16] “A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País” (BRASIL, L.O.S, 1990, art. 3º).
[17] Educação popular entendida como relação dialógica, troca e síntese de saberes entre sujeitos em construção de conhecimento; construção coletiva plena de sentidos, de historicidade, de cultura; possibilidade de afirmação de identidade e de reciprocidade.
[18] “O Estado é o complexo das atividades práticas e teóricas com o qual a classe dominante não somente justifica e mantém a dominação como procura conquistar o consentimento ativo daqueles sobre os quais ela governa (...) Estado inclui elementos que também são comuns na noção de sociedade civil (neste sentido poder-se-ia dizer que Estado = sociedade política + sociedade civil), em outras palavras, hegemonia garantida pela couraça da coerção”. (GRAMSCI, 1971: 244 e 263)
[19] Considerando os princípios doutrinários, temos a universalidade, que deve ser entendida como a distribuição de ações e serviços de saúde de modo a que todos, indistintamente, tenham acesso à atenção em todos os níveis do sistema; a integralidade, que por sua vez diz respeito a um conjunto articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso, em todos os níveis de complexidade do sistema; a equidade que significa a organização e distribuição de ações e serviços, à população, de acordo com as suas necessidades, ou seja, oferecer atenção desigual aos desiguais; e o controle social, que diz respeito a participação popular e o envolvimento ativo e consciente dos usuários nas decisões sobre a definição de prioridades e organização da atenção à saúde. Por seu turno, descentralização, regionalização, municipalização e hierarquização, devem ser entendidas como a forma pela qual os estados e municípios assumindo competências relativas à formulação e gestão das políticas de saúde nos seus territórios, organizam e executam ações e serviços o mais perto possível dos domicílios dos seus usuários. Com relação a hierarquização é preciso que se leve em conta a capacidade técnica e tecnológica de cada município. A municipalização aprofunda o vínculo entre população, profissionais e serviços de saúde; favorece o controle social; facilita a formulação e agiliza a execução, acompanhamento e avaliação das ações sob responsabilidade do município.

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