quarta-feira, 12 de julho de 2006

NOTAS SOBRE A REPRESENTAÇÃO DE INTERESSES, FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS E HEGEMONIA, NO GOVERNO LULA[1]

Lindemberg Medeiros de Araújo[2]

Quando falamos de política, falamos em grande medida de representação de interesses e, por conseguinte, de formulação de políticas que implementam ou bloqueiam tais interesses. A questão da representação de interesses não é nova e está presente na teoria política desde Aristóteles, que distinguia o bom e o mau governo em função dos interesses que este representava. Na medida que esse governo representasse o interesse comum seria um bom governo, um governo legítimo, independentemente se se tratava do governo de um, de poucos ou muitos.

Não é demais lembrar que essa noção de “interesse comum” há muito desapareceu, especialmente no pensamento moderno, de corte liberal. Rousseau foi o último a defendê-lo explicitamente dentro de uma tradição democrática e radical. Manteve-se, porém central a noção de interesse, enquanto concepção individualista “materialista” da sociedade (geralmente sinônimo de benefício material dentro de uma razão calculadora). O fato é que essa noção de interesse evoluiu, atravessou o tempo e se manteve viva em todas as fases da evolução histórica da teoria de Estado absolutista, burguês, liberal/capitalista, socialista, neoliberal.

Destas considerações iniciais podemos evoluir para, pelo menos, três questões básicas e fundamentais, que podem ser desdobradas, e em torno das quais pode girar a reflexão que ora queremos fazer do primeiro ano do governo Lula:

1. Como e quais interesses vêm sendo representados no governo comandado pelo PT?
2.
3. De quem são os interesses representados?
4.
5. Qual é a justificação para representar tais interesses? Será que poderíamos falar de uma hegemonia petista?
6.
As duas primeiras questões, como podemos ver, estão ligadas à estrutura e a natureza do Estado e da sua formulação de políticas, enquanto a terceira questão envolve o problema de legitimidade (melhor seria dizer de hegemonia) política do governo.

Caberia, neste caso, primeiro averiguar o que mudou ou se algo mudou no Estado brasileiro com a subida ao governo da coalizão de forças hegemonizada (talvez fosse melhor dizer administrada) pelo PT. A resposta parece clara e simples: nada ou quase nada mudou. Trocamos a direção política do governo. Mas, mudar o Estado será uma tarefa bem mais complexa e demorada que demanda (demandará) várias reformas, entre elas a política e a do judiciário, o que dependerá da nossa capacidade de construir uma hegemonia suficientemente firme e duradora para a efetivação do objetivo. Isso exige ainda uma reforma ética. Como vemos não é/será nada fácil.

Assim a questão atual, se aqui recuperamos o pensamento de GRAMSCI, é a de como compatibilizar a pluralidade de interesses coletivos hoje presente no cenário político social brasileiro – uma vez que a política real não é obra das maiorias, mas, sim de várias pequenas elites representativas de múltiplos interesses. As maiorias, na prática, foram historicamente alienadas do processo de formulação e representação de interesses pelo pensamento e pela ação liberal capitalista que tratou (e trata ainda) de exorcizar qualquer fantasma das maiorias sob o pretexto que elas não são estáveis, pois são obstaculizadas pela fragmentação de interesses e pela apatia generalizada.

Tentando de alguma forma dar respostas mínimas aos problemas e as pressões sociais, os estados capitalistas, especialmente os europeus, até a década passada atuavam dentro de um padrão de políticas sociais compensatórias conhecidas como Welfare State (Estado de Bem Estar Social), política que a partir da década de 90 do último século foi abandonada em favor do estado mínimo neoliberal.

Em termos mais recentes e considerando a questão das políticas sociais, a teoria marxista não desqualifica inteiramente o diagnóstico conservador da crise do Welfare State. Reconhece que enquanto se mantiver o domínio da lógica capitalista, a ampliação do pluralismo corporativista conduz efetivamente a uma “crise fiscal do Estado” e, em decorrência, a um “déficit de legitimação”. Mas a solução apontada pelos marxistas para a crise precisa ser, naturalmente, bem diversa daquela apontada pelo liberal capitalismo. E nesse caso, é hora de avaliarmos concreta e conseqüentemente a nossa política econômica. Aonde ela poderá realmente nos levar? Que objetivos serão conseguidos? Quem serão os que realizarão seus interesses com essa política? Que alternativas podemos apontar?

Desenvolvendo as reflexões de GRAMSCI, Pietro Ingrao, por exemplo, pensa que a solução para os males do corporativismo capitalista reside na elaboração de um novo tipo de hegemonia que se articule organicamente com o pluralismo, que considera como um fenômeno ineliminável das complexas sociedades modernas.

Considerando essa posição, diria que essa nova concepção de hegemonia implica a criação de blocos majoritários que se articulem em torno de questões de abrangência nacional (como saúde e educação, por exemplo) elaborando propostas globais de reforma que transcendam (mas sem ignorar) os interesses meramente corporativos dos múltiplos segmentos envolvidos.

Essas reformas globais – cuja efetivação pode ser progressiva e não simultânea, e cujos atores não precisam ser rigorosamente os mesmos em todos os casos – deveriam apontar em conjunto, no sentido de um reordenamento da sociedade, de uma superação da lógica capitalista.

A estrutura institucional que prepara e consolida essa nova hegemonia das classes subalternas é concebida como uma “democracia de massas” (em contraste com o liberal-corporativismo da proposta pluralista); e sua estratégia pode ser definida como um “reformismo revolucionário” (um objetivo revolucionário, superador do capitalismo, que se explicita por meio de reformas graduais).

Nessa nova concepção neogramsciana de hegemonia, torna-se possível conservar o pluralismo da sociedade civil e, ao mesmo tempo, evitar o corporativismo selvagem que desemboca na ingovernabilidade. Elaborando uma pauta de prioridades globais, o bloco majoritário hegemônico poderia selecionar, dentre os múltiplos interesses que representa, os que mais correspondem, em cada oportunidade concreta, a um interesse efetivamente comum, consensualmente estabelecido.

Neste sentido, o Fome Zero, por exemplo, será capaz de transcender a etapa emergencial e consolidar as macro-políticas estruturantes da nova sociedade que sempre esteve no ideário petista?

Como organizar aparelhos privados de hegemonia (sociedade civil) que representem e compatibilizem os interesses dos diversos grupos sociais (igrejas, escolas, sindicatos, partidos políticos, movimentos populares meios de comunicação), de forma a dar cara e personalidade própria ao Governo Lula?

Estas são questões que nos remetem a um processo crescente de mobilização e discussão, algo que de certa forma desapareceu com o gozo geral em que vivemos com a ascensão de Lula e o do PT ao governo. Será que não seria hora de começarmos a nos mexer? De criar espaços de discussão onde quer que seja? Ou de ocupar os já existentes? Esse, aliás, é um deles que deve ser preservado e ampliado nos próximos anos.

Com a palavra todos nós, que sempre trabalhamos por outra sociedade diferente da que aí está


[1] O presente texto recupera teses e idéias contidas em Carlos Nélson Coutinho que, mesmo produzidas num contexto onde ainda não se vislumbrava o governo Lula, tornam-se atuais para o nosso debate.
[2] Docente da UFPB, médico sanitarista, mestre em ciências sociais e doutorando em educação popular. Filiado ao PT.

Um comentário:

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